segunda-feira, 25 de abril de 2011

HOMILIA DA SEXTA-FEIRA: PAIXÃO DO SENHOR‏ (Pe Agostinho Cruz)

Pe Agostinho Cruz
(Paróquia São João Batista e N. S. das Graças
Icoaraci - Belém - Pará)
PAIXÃO DO SENHOR

Os Padres disseram que o homem está colocado no ponto de intersecção de dois campos de gravidade. Temos, por um lado, a força de gravidade que puxa para baixo: para o egoísmo, para a mentira e para o mal; a gravidade que nos rebaixa e afasta da altura de Deus. Por outro lado, há a força de gravidade do amor de Deus: sabermo-nos amados por Deus e a resposta do nosso amor puxa-nos para o alto. O homem encontra-se no meio desta dupla força de gravidade, e tudo depende de conseguir livrar-se do campo de gravidade do mal e ficar livre para se deixar atrair totalmente pela força de gravidade de Deus, que nos torna verdadeiros, nos eleva, nos dá a verdadeira liberdade.[1]
Depois da Liturgia da Palavra e logo no início da Oração Eucarística, durante a qual o Senhor entra no meio de nós, a Igreja dirige-nos este convite: «Sursum corda – corações ao alto!». O coração, segundo a concepção bíblica e na visão dos Padres, é aquele centro do homem onde se unem o intelecto, a vontade e o sentimento, o corpo e a alma; é aquele centro, onde o espírito se torna corpo e o corpo se torna espírito, onde vontade, sentimento e intelecto se unem no conhecimento de Deus e no amor a Ele. Este «coração» deve ser elevado. Mas, também aqui, sozinhos somos demasiado frágeis para elevar o nosso coração até à altura de Deus; não somos capazes disso. É precisamente a soberba de o podermos fazer sozinhos que nos puxa para baixo e afasta de Deus. O próprio Deus tem de puxar-nos para o alto; e foi isto que Cristo começou a fazer na Cruz. Desceu até à humilhação extrema da existência humana, a fim de nos puxar para o alto rumo a Ele, rumo ao Deus vivo. Jesus humilhou-Se. Só assim podia ser superada a nossa soberba: a humildade de Deus é a forma extrema do seu amor, e este amor humilde atrai para o alto.
«Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para remédio contra o pecado e para exemplo daquilo que devemos fazer.
Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio para todos os males em que incorremos por causa dos nossos pecados.

Mas não é menor a utilidade que tem como exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar toda a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição, basta que despreze o que Cristo desprezou na Cruz e deseje o que Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude está ausente da Cruz.

Se queres um exemplo de caridade: Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Assim fez Cristo na Cruz. E se Ele deu a vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por Ele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na Cruz o mais excelente. Reconhece-se uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora Cristo suportou na Cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque sofrendo não ameaçava; e como ovelha levada ao matadouro, não abriu a boca. É grande, portanto a paciência de Cristo na Cruz: corramos com paciência à prova que nos é proposta, pondo os olhos em Jesus, autor e consumador da fé, que em lugar da alegria que Lhe era proposta suportou a Cruz, desprezando-lhe a ignomínia.

Se queres um exemplo de humildade, olha para o crucifixo: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.»[2]

Efeitos da Paixão de Cristo:
“Por sua Paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós” (CIC, 1708).

“A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação pelos pecados de toda a humanidade. (...) Cristo é o dom da vida eterna” (CIC 1992).


Amados irmãos e irmãs, “a cruz, à luz da ressurreição, é a autoglorificação do amor de Deus no mundo, por meio do qual foi tirado o pecado e vencido o mal” (H. Von Balthasar).

A glória que se manifesta no Calvário é diferente de toda glória e vai além de qualquer glória. (...) Exatamente por essa sua capacidade de doação além de todo limite, no evento da Cruz Jesus se torna, por excelência, o sacramento da beleza, que, em sua verdade mais profunda, é esplendor de amor.

A glória de Jesus que acontece no Calvário, no ato de sua Páscoa, entrega definitiva de Si ao Pai em favor dos homens todos, realiza-se no elevar-se de Jesus: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 33); é um elevar de atração, onde ao ser suspenso na Cruz, Cristo entroniza no Reino de Deus a humanidade que já jazia na sombra da morte, por causa de seus pecados.

No evento único da cruz, manifesta a grandeza e o poder salvífico de Jesus. Não sejamos que nem os judeus, que não compreenderam a íntima relação que liga Jesus a Deus: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que eu sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo como me ensinou o Pai”.

Somente no sacrifício da Cruz podemos conhecer Jesus de uma maneira nova e corrigir nossas opções. Será que vamos Ficar, por causa de enraizamento do pecado em nosso coração, “crucifica-O”? O trairemos, como Judas fez, mesmo tendo experimentado todo o amor do Senhor? Ou nos acovardaremos, quando nos for pedido um testemunho, como Pedro que negou conhecer e ser discípulo do Senhor na sua hora mais difícil? Seremos nós a encarnar em nosso ser as atitudes mesquinhas de Pôncio Pilatos, esquivando-se da responsabilidade pela vida do outro?

Amados irmãos, são tantas pessoas envolvidas nesta cena da Paixão, cada um com sua história, com seu projeto de vida; todos, de uma maneira ou de outra, sentiram-se atraídas por Nosso Senhor. Como eles, também nós, devemos fazer as nossas escolhas, decidirmo-nos por Deus, por sua Igreja que fez nascer do lado transpassado de seu Filho, a semelhança de Adão. No sono de Adão, Deus tirou-lhe de seu lado sua mulher, Eva; numa igual semelhança, no sono de Cristo, ou seja em sua morte, Deus cria a sua esposa, a Igreja, qual nova Eva a nascer do Novo Adão.

Eis o lenho da cruz da qual pendeu a salvação do mundo!

Mesmo depois de testemunharem que o Senhor está morto, seus amigos, aqueles que Ele cativou, não o abandonaram a triste sorte, vieram cuidar de seu corpo: “tomaram o corpo de Jesus e o envolveram-no, com aromas, em faixas de linho”.

O lugar da sepultura de Jesus remete à nossa origem, ao princípio da criação: O jardim onde sepultaram o Senhor, é uma clara ao Jardim do Gênesis, onde o primeiro homem, Adão, vivia; eis no jardim, na sua sepultura o Cristo, novo Adão a recriar todas as coisas para Deus seu Pai. Ele, pelo poder de sua cruz, restaura a criação inteira.

Amados irmãos e irmãs, todo este ato de Paixão deve alegrar nosso pobre e pequeno coração, pois desde o princípio Deus tem se voltado para nós, e agora, em Cristo morto na cruz, sepultado e que irá ressuscitar no terceiro dia, encontramos a irrevogabilidade da ação amorosa de Deus.


[1] Enxerto da Homilia do Domingo de Ramos proferida pelo Papa Bento XVI, 17de abril de 2011.
[2]Collatio 6 super Credo in Deum - SÃO TOMÁS DE AQUINO



2 comentários:

  1. Nossa, que reflexão!
    “...Será que vamos Ficar, por causa de enraizamento do pecado em nosso coração, ‘crucifica-O’?...”
    Não, não quero ser como Judas, nem como Pedro e, menos ainda, como Pôncio Pilatos. Quero corrigir minhas opções baseadas no amor redentor de Jesus.

    Adriana Cunha

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  2. Esse amor que nos constrange e nos atrai... "A quem iremos Senhor? se só tu tens palavras de vida eterna." Esse amor que sempre está disposto a se inclinar a nós, pois sempre se faz eterno.
    Nos corrijamos nesse amor imenso, santificador, libertador e misericordioso.

    Mara Rúbia

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